Nos caminhos de Iansã


Quando montei o blog, a idéia era compartilhar os materiais que tenho sobre mulheres, gênero e cultura afro-brasileira. Agora na reta final do mestrado em que estudo a produção científica de gênero e saúde, participando do Ilú Obá de Min – Mãos femininas que tocam para o Rei Xangô – sendo o tema do próximo carnaval – as Iabás (orixás femininos), não tem como não imergir nas leituras preciosas desses materiais. Na medida do possível, vou compartilhando algumas aqui no blog. Começo então com o texto “Nos caminhos de Iansã: cartografando a subjetividade de mulheres em situação de violência de gênero”.

Esse texto, eu o encontrei no início desse ano quando buscava mais informações sobre o orixá Iansã (Yansã, Oyá...), acabei arquivando sem ler. Alguns dias atrás, matutava sobre a importância das referências femininas, por coincidência ou não, enquanto analisava os trabalhos sobre gênero (objeto do meu mestrado) encontrei o resumo desse texto. Tive que voltar ao meu arquivo...

O artigo aborda a subjetividade de mulheres que vivenciaram violência por parceiros. Eu não me arriscarei a falar da parte teórica da psicologia pois não é a minha área, vou me deter às oficinas realizadas com as mulheres na Ong Maria Mulher, pautadas em elementos da religião africana.
 
No primeiro encontro, as mulheres contaram suas histórias “Relembrar as dores é difícil e faz chorar. Encolhidas e cabisbaixas, as mulheres começaram a contar suas histórias. Dinâmicas de apresentação e relaxamento trataram de flexibilizar um corpo que se enunciava duro. Um corpo doído,cansado, ombros caídos, onde as marcas da violência apareciam...”.  Ao contar suas histórias de vidas, as mulheres assumiam um papel secundário, os protagonistas eram seus maridos e filhos: “Ao serem perguntadas sobre elas, respondem com a voz do outro, territorializadas naquilo que a sociedade designou pertinente ao ‘feminino’ e ensinadas a nutrir, a alimentar, a cuidar, em suma, a não ter voz.”  A situação dessas mulheres era agravada pela pobreza, racismo, indiferença nos serviços de saúde, entre outros.

No segundo e terceiro encontro com essas mulheres, foram contadas as histórias das yabás; observadas imagens das deusas africanas e organizado uma ritualização.  As pesquisadoras perceberam que essas oficinas afloraram nas mulheres um discurso diferente do inicial. Ao se comparar com as yabás e encarnar o papel dessas, vestindo-se como tais, as mulheres se reconheciam: “que a gente e vive, ama, que a gente é ciumenta, que a gente tem filho, né?” “Que a gente tem algum poder.” “ Então é tudo bem parecido, nós, com elas.”.

Tela de André Luiz  (http://andreluizateliedepinturas.blogspot.com.br/)
Por meio dessas oficinas, essas mulheres “reviveram histórias de outras mulheres (avós,mães, tias, vizinhas, delas mesmas)  em territórios de religião: candomblé e batuque ...  Se empoderaram: "bonitas e alegres, os corpos mais flexíveis, despidas as máscaras de dor e autocompaixão, elas discutiram coletivamente outras saídas, outras negociações, outras lutas”.



Iansã, foi a yabá escolhida como representante “Somos todas Iansãs” pela identificação das mulheres com essa deusa:  as filhas de Iansã não fogem da briga”. São sedutoras, bonitas, charmosas, mães protetoras e mulheres apaixonadas. Iansã é a encarnação do desejo de potência em sua plenitude, cujas manifestações se expressam em depoimentos do tipo: “somos todas mulheres, vivemos,amamos, choramos, temos filhos e cuidamos deles,somos fortes”.



Após as oficinas, essas mulheres se sentiram estimuladas a tomar outros rumos, se indignaram contra a violência  mesmo quando as instituições (Estado, leis, serviços) a legitimassem, passaram a ser encontrar fora da ONG, se inseriram em cursos, começaram a traçar planos profissionais, superaram o problema de agressão física, etc.


O último encontro foi filmado por um filho de uma das participantes (o menino era deficiente auditivo e rompeu suas limitações físicas), trazendo à cena a figura dos Ibejis...


O artigo encontra-se na íntegra no site: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-71822005000200011&script=sci_arttext

Referência:
RAMAO, Silvia Regina; MENEGHEL, Stela Nazareth; OLIVEIRA, Carmen. Nos caminhos de Iansã: cartografando a subjetividade de mulheres em situação de violência de gênero. Psicol. Soc., Porto Alegre, v. 17, n. 2, Aug. 2005

Comentários

  1. Acompanho e sou apaixonado pelos posts do blog

    Lindo Trabalho
    http://paraleloinformacoes.blogspot.com.br/

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  2. Oi Jaime,

    Gratidão pela mensagem. É gostoso saber que as pessoas curtem... Estou lendo o post sobre o fim do mistério do quadro de Monalisa no seu blog. Sucesso!!!!

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