Luislinda Valois - Primeira Juíza Negra no Brasil
Foto de Correio 24 horas |
Como 21/03 é considerado como o “Luislinda Valois – primeira juíza negra no Brasil.
Neta de avô escravo, filha de Santo, e
primeira mulher negra a entrar para a magistratura no Brasil, Luislinda Valois,
68, quer ver mais “pretos, pobres e periféricos” governando o país. A
magistrada baiana, que se formou em Direito aos 39 anos, com crédito educativo,
fala ao Boletim Gênero, Raça e Etnia sobre racismo, superação, cotas, Justiça e
o papel de organizações internacionais, como a ONU, na promoção da equidade.
Nomeada desembargadora substituta do
Tribunal Superior de Justiça da Bahia (TJ/BA) em agosto, Luislinda recebeu o
Prêmio Cláudia no mês passado, por sua luta e conquistas no combate à
discriminação racial. É autora de “O Negro no Século XX” e tem dois outros
livros a caminho.
Racismo na Escola – “Não é fácil ser
negra e pobre nessa terra”, diz Luislinda, filha de Iansã, orixá guerreira.
“Quando nasci, morávamos em um casebre de palha. Só com muita luta meus pais
conseguiram construir uma casa de taipa. Para estudar, eu catei marisco, tomei
conta de criança, lavei muita roupa.”
Aos nove anos, o professor de Luislinda
mandou os alunos levarem réguas e compassos de plástico para a aula, no Colégio
Duque de Caxias, na Liberdade, bairro negro de Salvador. O pai, motorneiro de
bonde, só conseguiu comprar material de madeira. O professor disparou, na
frente de toda a turma: “Menina, se seus pais não podem comprar material para
você estudar, saia daqui. Vá aprender a fazer feijoada na casa de uma branca
que você vai ser mais feliz”.
“Eu saí da sala correndo, chorei,
chorei”, conta a magistrada, voz embargada ao lembrar humilhação, há quase 60
anos. Depois se recompôs e voltou para a aula, com a resposta na ponta da
língua: “Professor, eu não vou aprender a fazer feijoada não. Vou estudar para
ser juíza e, quando crescer, vou te prender”.
Foto do Portal Geledés |
Luislinda formou-se em Direito aos 39
anos e, em 1984, cumpriu a promessa de se tornar juíza. Voltou ao colégio Duque
de Caxias, mas não para prender o professor racista. Entre 2002 e 2003, a
magistrada freqüentou colégios da capital baiana com o “Projeto Inclua no
Trabalho e na Educação e Exclua da Prisão”.
“Dizem que sou a primeira juíza negra
do Brasil. Não sei bem se isso é verdade, o importante não é ser a primeira ou
a décima. O importante é a bandeira que eu carrego”, diz Luislinda, quem em
agosto foi nomeada desembargadora substituta do Tribunal de Justiça da Bahia
(TJ-BA).
Justiça para tod@s – Luislinda Valois se
tornou conhecida no meio jurídico brasileiro em 1993, por sua sentença
condenatória a rede de supermercados, pelo crime de racismo. Os seguranças
haviam acusado injustamente de furto uma cliente negra.
“Pode publicar o nome dela, é uma
mulher honesta, de uma coragem impressionante, e gosta que saibam o que
aconteceu”, diz Luislinda. Aila Maria de Jesus, franzina, negra, trabalhadora
doméstica, foi acusada de furtar um frango e um sabonete. Cercada pelos
seguranças do supermercado, ela se recusou a abrir a bolsa sem a presença da
polícia. Revelada a injustiça, Aila recorreu aos tribunais.
“O acesso à Justiça é um direito
fundamental”, afirma Luislinda, destacando o papel de organismos
internacionais, e principalmente da ONU, “que foi e ainda é fundamental para
promover os Direitos Humanos no Brasil”.
A desembargadora vê avanços no respeito
à cultura e religiões afro-brasileiras. “Tenho uma boa relação de trabalho com
a Igreja Católica, Igrejas Evangélicas, inclusive com pessoas da Igreja
Universal [que já teve líderes acusados de intolerância religiosa]. Agora mesmo
fui convidada para ser paraninfa da turma de Direito da Faculdade Batista
Brasileira e aceitei, com muito orgulho. O Brasil é uma país laico, e respeito
é fundamental”, diz a magistrada.
Nem sempre foi assim. O candomblé era
perseguido até o início do século XX, e Luislinda ainda se lembra quando,
menina, acompanhava as idas e vindas da tia para conseguir autorização para o
funcionamento de um terreiro no bairro de Pirajá, em Salvador.
Foto de G1 |
Para a desembargadora, a tipificação do
crime de racismo e a entrada em vigor do Estatuto da
Igualdade Raciail são sinais de progresso da Justiça brasileira,
mas a exclusão, sobretudo econômica, permanece.
Cotas – “É preciso dar
oportunidades a quem nunca teve”, diz a magistrada, favorável às cotas para o
ingresso em universidades públicas. “Precisamos de mais profissionais negros
qualificados. Quero mostrar ao meu povo negro que nós, pretos, pobres e
periféricos, também podemos ocupar os postos mais altos do país.”
Luislinda conta que a agressão do
professor racista, na escola primária, não foi a única. “Mesmo na faculdade,
passei por muito achincalhamento por ser negra e pobre”, diz Luislinda, que
cursou Filosofia e Teatro, antes de entrar na Faculdade Católica do Salvador
(UCSAL), com crédito educativo. O depoimento de Luislinda
sobre sua história foi exibido na novela “Páginas da Vida”, da rede globo.
A discriminação não cessou após a
formatura. “Quando passei no concurso nacional da procuradoria do DNER (antigo
Departamento Nacional de Estradas e Rodagens), em primeiro lugar, fui
‘convidada’ a ceder a vaga em Salvador, minha cidade. Curitiba me acolheu”,
conta.
Família – A tristeza passa ao
falar sobre a família. Luislinda não esconde o orgulho ao falar do único filho,
promotor de Justiça em Sergipe, e dos irmãos, que seguiram seu conselho e seu
exemplo nos estudos. “Quanto eu tinha 14 anos, minha mãe morreu. Criei meus
três irmãos menores, todos honestos e trabalhadores”, diz Luislinda.
A magistrada se emociona ao lembrar-se do fascínio do pai, já idoso,
diante da primeira casa de bloco da família, conquistada quando ela e o segundo
irmão já tinham empregos com carteira assinada: “Meus filhos, acabou a miséria
nessa casa!”.
Texto extraído do site do Programa Interagencial de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia
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